01/08/2020

Rio de lágrimas: A tristeza derramada

 

''As lágrimas que não se choram esperam em lagos pequenos? Ou serão rios invisíveis que correm em direção à tristeza?''  — Pablo Neruda

 

 

De onde nasci, não podíamos jogar fora qualquer resquício que pertencessem a nós, eles eram como receptáculos sagrados, como as fotografias que guardamos a vida inteira para lembrarmos do passado. O guarda-roupa do meu quarto era tomado por pequenos frascos, e neles eram armazenadas todas as lágrimas que um dia transbordaram de mim. Minha mãe sempre me dizia ''Nunca deixe que suas lágrimas escapem de você, elas representam a sua existência. Guarde-as e certifique-se que elas nunca farão parte do rio da desesperança.''
Durante muito tempo, não entendi o significado deste rio, nunca cheguei sequer a vê-lo. Só fui entendê-lo de fato,  quando a velhice chegou à mim, e os meus olhos ressecaram por falta d'água. O rio da desesperança era, portanto, as lágrimas que não se choram, que ficam reprimidas em nosso interior. Elas não são belas como as que guardei a minha vida inteira, tampouco são vistas a olho nu; é preciso a sabedoria de um coração frio, já ressecado pelo tempo. É só com o peso da idade que os rios invisíveis aparecem a nós, meros receptáculos de lágrimas e tristeza.

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